segunda-feira, junho 23, 2008

Eu era feliz, e sabia!


As felicidades não se repetem. Sempre inéditas, sempre únicas, sempre intransferíveis.
O acontecimento corriqueiro de hoje é a saudade de amanhã. Sim, porquê as épocas de nossas vidas se sucedem e, frequentemente, ao chegar a nova, vai-se todo o enredo da época anterior. Silenciosamente chega a mudança e com ela, a troca de pessoas, sentimentos, desejos, lugares e forças que movem o nosso íntimo.

É um processo sutil que traz consigo grande poder de transformação. Deixa a sensação enganadora de que tudo aconteceu de repente. Não. As novas realidades se constroem com um passinho depois do outro. Um dia depois do outro. Um pensamento depois do outro.
Acrescente ou tire uma única pessoa do seu convívio direto e perceba como se rearranjam as suas prioridades, se renovam os seus interesses, se diluem as suas certezas. A estrutura daquela felicidade anterior dará espaço para uma nova felicidade. Novos rumos, novas decisões, novos desapegos, novas conquistas.

A noção que construímos de felicidade acontece conforme as pessoas que nos acompanham de perto. Redundância? Talvez, mas há nela uma verdade. Muitos dos que estão perto não são companhia e a noção de felicidade se alimenta apenas daqueles que estão muito próximos. Tão próximos que estão, na verdade, dentro.

Nenhuma das felicidades ficaria presente ou faria sentido se não reconhecêssemos o seu valor. A melhor reverência que se pode fazer a uma época que marcou nossa vida é aplaudí-la durante o seu transcorrer, sabendo que entre dores e delícias, é preciosa e incomparável a seu modo.

E há, sempre, "tempo para tudo debaixo do céu". Há o tempo onde a família lhe sustenta e guia através dos dias. Há o tempo onde a amizade lhe ensina que sua família se estende aos irmãos que nos é permitido escolher. Há o tempo onde sua alma é a sua grande companhia e deste vôo solo, tiram-se alicerces eternos. Há o tempo onde o amor lhe envolve na certeza de que sua forma de caminhar transformou-se para sempre em doce parceria. Há o tempo onde os tempos acontecem juntos ou apenas, um por vez.

E há as pessoas atemporais. O coração nutre uma misteriosa devoção por aqueles que um dia amou e teve como companhia. A companhia, frequentemente acaba. O amor por ela, se transforma em inequívoco respeito temperado na saudade de quem era feliz, e sabia.

Quando a próxima felicidade chega tem o seu próprio sabor. Novos passos, novos abraços, novas rotinas. O coração sente a descoberta e modela-se aos seus formatos . Assim, recicla-se a vida e cada uma de suas formas de ser feliz.

Sim, as felicidades não se repetem. Nos surpreendem lentamente. Ainda que se reconstruísse uma época, nós mesmos já seríamos outros. A cada sentir, reinventamos nossa forma de sentir. A cada querer, reinventamos nossa forma de querer. A cada visão, reinventamos nossa forma de enxergar.

Todas as épocas passarão e, contraditoriamente, deixarão na alma as sementes da continuidade, e no peito, o sabor dos frutos deste grande atemporal, o amor.


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segunda-feira, junho 16, 2008

À Ponta da Espada



Viajando pela internet, somos frequentemente brindados com boas surpresas e presentes felizes.

Encontrei um post bastante importante no blog da atriz Cláudia Jimenez (http://bloglog.globo.com/claudiajimenez/ ), publicado em 1 de maio último.

Felizmente, parei para ler e conhecer este olhar dela sobre um tema totalmente legítimo na natureza humana. A partir de uma cena presenciada pela autora, nasceu esta reflexão. A cena em si, é menos importante do que a reflexão, muito abrangente nos seus propósitos e aplicável em inúmeras situações pertinentes ao relacionamento, ou não-relacionamento, entre as pessoas, em diferentes situações. A crueldade frequentemente é travestida em muitas outras faces para se permitir acontecer: palavras, silêncios, acessos, omissões. Sobretudo, a crueldade acontece quando há a intenção de ferir, de colocar o outro "no seu devido lugar", de qualquer maneira que seja.
Simples e sucinto, o texto diz muito.


Ninguém pode abrir mão da delicadeza, seja em que cenário for ! É por conta de pequenas crueldades ignoradas que deixamos passar, que chegamos a um pai que atira sua criança pela janela. Temos que ter pulso com as pessoas que nos rodeiam! Amigos, parentes, colegas de trabalho, amores. Seja quem for!! Não podemos permitir que ninguém passe do limite da gentileza. Às vezes somos permissivos demais, temos preguiça ou falta de coragem de dar duro em pessoas que amamos. Amor é isso também, dar limites, pra que o outro não apodreça dentro da gente. Precisamos falar de tudo que incomoda, mas com delicadeza.Quem tem mais lucidez, tem obrigação de frear qualquer tipo de sadismo do outro. Mesmo um adulto,um patrão que seja! Às vezes precisa de um puxão de orelha! E se o cara veio vacilar, junto a você, não foi por acaso. Ajuda essa alma voltar pra claridade. Só almas perturbadas precisam da força bruta pra falar na vida. Hoje eu presenciei uma mãe, no restaurante, dando um tapa na cara da filha de quinze anos. Fiquei muito chocada. Que comunicação é essa meu Deus!!!!!!! A menina foi para o banheiro chorar e eu fui falar com ela. Ela estava chorando muito, eu abracei a menina que estava muito envergonhada, e falei pra ela, que perdoasse sua mãe, mas que não permitisse mais esse tipo de comportamento. Que existem delegacias pra isso. O rosto da menina estava vermelho e inchado. Eu chorei junto com ela. Coloquei gelo no rostinho dela. E quando voltei pra minha mesa, ela disse : Queria ter uma mãe como você ! Então, respondi: Seja você, essa mãe como eu, com seus filhos.


Cláudia Jimenez

segunda-feira, junho 09, 2008

Amoral


Me pergunto qual será o parâmetro da "moral" que rege os limites entre o aceitável e o inaceitável em cada país.

Corrupção "pornográfica", pode.

Assassinato "pornográfico", incluindo filhos, pais, avós, pode.

Miséria, pode.

Falta dos níveis mínimos de educação, pode.

Falta dos níveis mínimos de respeito, pode.

Preconceito, escancarado ou velado, pode.

Desigualdade social "pornográfica", pode.

Toda a sorte de meios ilícitos de "chegar lá", pode.

Ataques incessantes ao meio ambiente, pode.

Infelicidade acomodada, pode.

Atrocidades "pornográficas", pode.

Enfim, o que não falta é criatividade para escolher uma forma de atentar contra o próximo (e contra si próprio) ou se colocar acima dele - e, à sua custa - de alguma forma.

Enquanto isso, são eleitos e fomentados determinados tabus, quase como forma de desviar a atenção do que importa realmente. E observo que os tabus sempre inibem a liberdade e o auto-conhecimento de alguma forma. Então, se os falso moralistas aplicam o que pregam, estão fazendo nada mais do que atentar contra as suas próprias possibilidades de plenitude e, em muitos casos, de felicidade.

Um dos tabus de estimação, é o sexo. Por sexo, entende-se neste caso, tudo o que possa trazer conotação sexual.

Incitou a imaginação? Inaceitável.

Liberou a libido? Inaceitável.

Acendeu a ousadia? Inaceitável.

Tirou do convencional? Super, ultra, mega, max inaceitável.

Alimentou a individualidade liberta? Impensável.

Neste rastro de "moralidade" sobra para quem ficar na reta. A bola da vez, ao menos na mídia brasileira, é a campanha para o Dia dos Namorados da C&A criada pela agência DM9DDB, cujo tema é "Papai e mamãe, não!".

Na versão para televisão, assistia-se (até o último dia 6, quando foi retirada do ar) a versões diferentes para o comercial. Uma psicóloga, uma astróloga, uma enfermeira, citavam, com referências às suas respectivas profissões, formas de melhorar o Dia dos Namorados, no aspecto sexual. Tudo com muito bom-humor, criatividade, uma pitada de malícia e sim, bom-gosto. Não vi na criação, absolutamente nada de grosseiro, ofensivo ou imoral e, no entando, foi considerada pelo órgão regulamentador como contendo forte mensagem erótica. Seja lá o que for que isto signifique, foi o suficiente para que se "recomendasse" sua suspensão definitiva.

Erotismo? Impensável.

É favor não confundir erotismo com pornografia, apelação, mau-gosto, degradação e demais ocorrências inaceitáveis que podem misturar-se ao gênero.

É preocupante também, esta silenciosa manifestação da censura que vem, aos poucos, se reinstalando no Brasil e deixa a pensar qual será o desfecho de tão lamentável tendência no curso deste, pasme, Terceiro Milênio.
Faz brotar na garganta um indignado "vão se foder". Com o perdão do trocadilho.


(Colaboração: Vanderlei Martinelli)
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Assista (enquanto o YouTube permitir):

Psicóloga