quarta-feira, julho 30, 2008

Absurderia


Vira e mexe, a gente se depara com alguma coisa que faz as sobrancelhas arregalarem.
Nas minhas próprias noções do que é absurdo, eu dificilmente noto o elemento "e se". É muito mais fácil percebê-lo observando o que é externo.
O elemento "e se" é muito simples. Consiste em questionar o absurdo, absolutamente relativo.
"E se" não for tão absurdo assim? "E se" o que eu estou vendo/ouvindo merecer mais atenção? "E se" os meus horizontes estiverem inadvertidamente estreitos, carecendo de reformulação? "E se" eu estou na beira do abismo da falta de noção e estão os "absurdos" todos tentando me acordar??? (e já, à beira da desistência...)
É claro que ninguém é particularmente fã de se questionar. Questionar o vizinho é muito mais agradável e bem mais cômodo. Por alguma razão absurda (será?) a gente se sente menos gente quando balançado em nossos valores, há muito cultivados. Pautamos o que somos nas idéias que aprendemos, que descobrimos, que adotamos, e sentimos que sem elas, muito pouco resta. Como definir quem sou sem me apoiar nas crenças que tenho? E definir é preciso, sempre.
Maquinazinha complexa, esta nossa.
Nos questionar, muitas vezes é como "perder terreno", ou mesmo perder "poder", força, direção. E manter a direção é sempre uma tentativa frustrada, e é esta a melhor opção, considerando a alternativa de nem ao menos perceber o quão infértil é este terreno de alimentar sempre os mesmos nortes.
Perder o chão momentâneamente versus vislumbrar um lampejo de inédito, de maior, de incômodo eternamente. Eis a questão.
Einstein um dia disse que "a mente que se abre a uma nova idéia jamais volta ao seu tamanho original". Imagine a ginástica deste "músculo", não tão involuntário quanto o coração, para se alongar e receber a idéia que chegou. Creio que seja seguro dar por certo que ainda se contrairá muito, antes de, finalmente, ceder. Se ceder.
Natural ser simpático a este apego e entender que o desconhecido causa um medo danado. Foram anos na lapidação dos valores de uma pessoa que se lutou tanto para construir, e sem eles, o que sobra? Hum...todo o mais, talvez? Todas as outras idéias ainda não pensadas, ainda não descobertas, ainda não aceitas, ainda não percebidas? E com elas, um crescimento incomensurável. O derradeiro alongamento, sem final, sem pecado e sem prejuízo. Sim, alongar dói. Neste tipo de alongamento ainda cabem, para dificultar muito mais, todos os motivos pelos quais algo se torna absurdo aos nossos olhos. O medo, a sensação de enfraquecimento, os dogmas, as crenças, a quase imexível fidelidade à pessoa que reconhecemos como eu. Quem é que nunca disse "eu sou assim" ? E aí, a gente tranca a porta de saída de emergência sem perceber.
Estes "absurdos" todos que nos sacodem até os ossos... Ou, não. Talvez apenas nos dêem argumento para fortalecer um pouco mais o que já "sabíamos". É uma escolha quase inconsciente que está sempre sendo feita.
E, se não me falha, foi Einstein também que um dia disse que é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito. "Triste época " ? Prefiro apostar em "tempo de despertar".
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sexta-feira, julho 18, 2008

Ser, Estar e Querer



Já ficou mais do que estabelecido que a grande maioria das pessoas leva vidas bastante corridas e pula de um compromisso para o outro quase que alucinadamente.
Sem que eu entendesse porquê, minha personalidade de alguma forma sempre se opôs a isso, estivesse eu vivendo desta forma ou não.
Observando esta questão um pouco mais de perto, notei que mesmo sem a correnteza de obrigações, a disposição da mente das pessoas curiosamente permanece buscando esta forma de arranjo do seu tempo.

É preciso sempre ter um compromisso, mesmo que seja dentro de sua própria casa. É preciso, ao realizar a tarefa corrente, saber o que virá a seguir. Absolutamente nada contra os compromissos, ou o seu ritmo, porém, esta se torna uma excelente forma de colocar a mente sempre no futuro ou no passado. Em quantos de nossos momentos diários estamos, de fato, atentos para vivê-los?
Note o quanto é raro nos encontrarmos totalmente absortos no que quer que esteja sendo realizado NESTE EXATO MOMENTO. Eu mesma, enquanto escrevo este parágrafo, me questiono sobre a continuidade do texto.

Alguém poderá dizer que isto significa planejar ou mesmo organizar. Bem, o planejamento e a organização são absolutamente fundamentais para a manutenção e conclusão de muitos projetos e etapas na vida, sem falar na imensa carga de responsabilidade que envolve tantas situações pelas quais passamos diariamente e no ritmo ininterruptamente dinâmico que é necessário para fazê-lo - sobretudo no trabalho. Mas isto não equivale a dizer que esse deva ser o único estado mental de nossas vidas. Tampouco significa que, para lidar com a questão, apenas dedicaremos então algumas horas pré-determinadas na semana exclusivamente para relaxar, seja este relaxamento numa atividade moldada para proprocioná-lo - meditação, natação, sono - ou em alguns parcos momentos de lazer.

Da maneira que vejo, relaxamento não é igual a desligamento, ou lentidão, ou ócio improdutivo. Relaxar, significa estar. Estar na situação à qual nos propusemos em dado momento.

Sim, o equilíbrio entre planejar e relaxar é extremamente difícil e muitas vezes, até indesejado. Assim, corremos tanto e tão rapidamente em direção a algo que sequer temos certeza do que é. Um lugar ao sol? Conforto financeiro? Uma lugar mais próximo do sol? Casa, família, convívio social, viagem? Sim! Com certeza estes instrumentos todos podem nos levar a experimentar muitos momentos de profunda felicidade. Li em algum lugar que "dinheiro não traz felicidade, mas ajuda a sofrer em Paris" e concordo totalmente. O conforto proporcionado pelo dinheiro pode ser veículo de vivências incríveis, se bem utilizado. E isto também não equivale a dizer que o dinheiro por si, seria a melhor escolha como grande meta da vida de alguém. De que serve o dinheiro, sem a presença de espírito para verdadeiramente, desfrutá-lo?

Não sou zen, nem de nenhuma outra corrente que pregue o esvaziar da mente, o relaxamento, a conexão profunda com o Eu superior, embora acredite que esta seja uma maneira especial e evoluída de viver, e almeje chegar perto disto em algum momento. Por outro lado, acredito que o entusiasmo aceso e vibrante são ferramentas poderosas para sentir-se bem sucedido e, sobretudo FELIZ, ao final de cada dia. Aí está a "pegadinha". Entusiasmo e vibração, de forma alguma excluem o respirar profundo e entregue que alimenta os momentos onde, de fato, estamos presentes. Sem amarras ao passado, sem desespero pelo futuro. Apenas se propondo a mergulhar de cabeça, corpo e alma naquele instante. Naquela conversa ao telefone, naquele trajeto no meio do trânsito, naquela refeição engolida às pressas sem degustar o sabor e prazer únicos que oferece, naquela música que soou repentina trazendo uma lembrança deliciosa, naquela caminhada despretensiosa num lugar interessantíssimo que sequer notamos.

Há uma energia incrivelmente ativa e poderosa em estar presente. Há também um esforço e dedicação que lhe conduz. Ninguém nasceu sabendo como não se preocupar com o que acabou de passar , ou com o que virá a seguir. Como em incontáveis outros desafios, é preciso nos educar.

Impossível falar em estar no momento em que se vive, sem falar em se perceber, se conhecer, se gostar. Quanto maior o tempo dedicado a desvendar esta pessoa cheia de nuances e particularidades que habita dentro de cada um, muito maiores as chances de fazer escolhas acertadas e felizes sobre como utilizar o seu bem mais precioso: seu tempo. Este sim, corre alucinadamente e, para complicar mais um tanto, não volta jamais, sempre nos acenando com a mensagem de que deve verdadeiramente ser sorvido até a última gota de suas possibilidades.

Perguntar-se regularmente "o que eu realmente quero fazer" não vai eliminar as obrigatoriedades da vida moderna, mas vai nos colocar expressivamente mais próximos das vontades que alimentamos e calamos, sem conseguir reservar para elas um horário na agenda.
Foi-se mais da metade deste ano de 2008 que, parecia, começava ontem. Quanto dele foi vivido na construção e realização dos momentos onde o desejo urgia por estar?

terça-feira, julho 15, 2008

Literal



Eu quero ler a minha vida nas páginas centrais de um semanário sideral
Provar da fruta dividida entre a esperança da semente e o salto fatal.

Gemendo alto não se ouvem os gritos silenciosos de quem já morreu
Ao pé da letra da canção me ouço desprendendo do que já foi meu.

Caras, casos e caretas crendo no absurdo e retomando o caos
Dores nunca divididas, por quem sangra vertem, temperando o Mal.

Anjo Lúcido soando em trombeta virgem, abre vendavais
Bem com Bem me paga pouco, salga a língua seca que clama por mais.

Vivo a vida que rareia, clara lua cheia estrelando a visão
Sonho o sonho que prateia este amargo intento por distração.

Puro é o mel, sem inocência me banho na bruma do que chegará
Li-me a vida, e espero doce conquistado em calda para salivar.


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domingo, julho 06, 2008

No Tempo de um Suspiro



Se virou, como se viram as páginas lidas, ávidas por encontrar sua continuidade.

Lá estava ele, afinal.

"Afinal" sugere "de repente". Nada menos de repente do que qualquer coisa a respeito daquele encontro.

Costurado dia após dia. Esperado sonho após sonho. Acalentado dúvida após dúvida.

Ao encontrá-lo ela ainda não sabia que ele seria ele, aquele.

Olharam-se com a interrogação zombeteira impressa no espaço que ainda os separava.

Foi quase um encontro casual. Passaria desapercebido a olhos menos atentos ou a corações menos despertos.

Havia algo, porém. Algo de silêncio e som, mesmo que nada se ouvisse.

As batidas do coração denunciavam. Os olhos engoliam piscadas. Mas nem uma palavra.

Talvez houvesse algo sendo dito em outras estâncias. Alguma outra parte dos seus seres talvez ouvisse, mas, como traduzir?

Como extrair de uma conversa em outra frequência o idioma que estes ouvidos racionais entenderiam?

Deixaram estar, apenas.

Permitiram-se encontrar e desenrolar histórias de ontem e amanhã.

Ela sentia-se feliz sem saber de qual parte dos seus sonhos se manifestava a recém-reencontrada felicidade.

Não entendia, ao certo, o que susurravam os olhos dele. Sorririam?

Trazendo ar do mais profundo de seus pulmões, ela observava, junto dele, flores meninas que brincavam coloridas e convencia-se: "Sim".



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