segunda-feira, março 31, 2008

Híbrido



Tente encaixar um quadrado num círculo. Tente acomodar um retângulo num triângulo.

A sensação será de algo, no mínimo, não natural. Sem dizer que uma figurá jamais caberá na outra. Assim acontece com certos tipos e combinações de pessoas. Tipos tão distintos e divergentes entre si, que a proximidade excessiva fará sentir apenas como o quadrado tentando ser encaixado ao círculo, o retângulo tentando acomodar-se junto ao triângulo: não natural.

Se observarmos os embates que se desenvolvem nestas circunstâncias, sejam quais forem as suas dinâmicas, a sensação final, após o final do fogo e o esfriar das cinzas é uma só. De que não há valor em querer forçar espécies diferentes a falar o mesmo idioma. É possível? Certamente.
Vide os manifestantes pacíficos que buscam promover entendimento entre facções extremadas de nacionalidades diferentes e em conflito, em tantas partes do mundo. Ou nem vá tão longe, vide você, o seu vizinho, que procuram soluções para seus próprios conflitos particulares dentro de casa, e as encontram.

Mas o possível também pode ser improvável e inviável. Me parece que, o que determina o diagnóstico, são as posturas de quadrados, círculos, retângulos e triângulos. São os olhares para a diferença latente. Ao forçar, apenas se repelirão. Ao querer, saberão que nunca se fez necessário ao quadrado caber no círculo, nem ao retângulo ajustar-se ao triângulo. Bastaria que se posicionassem lado a lado, formando seu próprio desenho único.

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Falar em intolerância me faz lembrar o filme que acabei de assistir: "O Preço da Coragem", A Mighty Heart, no original. Trata-se da história do sequestro e execução do jornalista norte-americano Daniel Pearl, acontecida em 2002 durante sua estada no Paquistão, contada pela esposa, a também jornalista Mariane Pearl que transformou a tragédia em livro, antes de chegar ao cinema.
O casal seguiu a trabalho para o Paquistão logo após o atentado de 11 de setembro sofrido pelos Estados Unidos e, numa de suas saídas para entrevistas, Daniel é sequestrado por um grupo paquistanês meramente por ser norte-americano. Contando com a ajuda de outra jornalista amiga do casal, Mariane, grávida de 5 meses, segue à procura de mobilizar todas as pessoas que poderiam trazer qualquer contribuição à busca, tentando, ao máximo de sua dedicação, desvendar este doloroso quebra-cabeça. Forma-se a partir daí, uma espécie de grupo de resgate formado por colegas de trabalho, autoridades locais e autoridades norte-americanas trabalhando incansavelmente durante quase um mês para solucionar o desaparecimento.
Duas coisas me conquistaram incondicionalmente nesta história real. A primeira, foi a relação do amor tão bonito vivida pelo casal, que é colocada de forma muito sutil nas cenas onde há a interação entre os dois e também, nas cenas onde não há. Delicado é a palavra que me ocorre. Fruto de duas pessoas muito ricas, vindas de realidades bastante distintas - inclusive a nacionalidade e formação religiosa - e com tamanha afinidade dentro de suas diferenças.
A segunda, foi a dedicação heróica de cada um dos envolvidos na tentativa de resgate ao jornalista. Impossível não se encher de admiração e alívio pelo capitão contra-terrorista paquistanês que chefia a operação. Admiração, pelo destemor, entrega e amor com os quais ele realiza o trabalho. Alívio, por acalmar a impressão limitadíssima e preconceituosa de quem desconhece a população desta porção do sul da Ásia/Oriente Médio e tende a acreditar que a maioria apóia seus grupos radicais meramente por partilhar a mesma nacionalidade ou religiosidade.
Um filme importante pela qualidade dos atores e diretor, e da atmosfera que criaram, pelo grau de emoção que provoca e, especialmente, pela mensagem de não se entregar ao ódio e às conclusões superficiais e neste caso, fatais, que afloram diante das diferenças extremas.
"Olho por olho e o mundo acabará cego."
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segunda-feira, março 24, 2008

Gratitude


Se abrem os portões do paraíso quando acontece - porque determinamos ser possível, porque fazemos questão - se trocar uma dúvida por um sorriso, um senão por uma alegria genuína de borbulhar a alma em dia de nevasca.

A dúvida está em nossa pele, em nossos olhos, em nossa voz, em nosso amanhã. O sorriso está em nossas articulações. Não é possível mudar o passo sem para isso, saber que é preciso regozijar por tudo o que não temos.

A dúvida trava a alegria quando ganha mais espaço do que precisa e merece. Porém, é vital para que se possa conhecer, merecer, enfrentar. Mas não brilha quando cai a noite. Escurece junto com os caminhos. E precisamos de estrelas também. Cadentes ou permanentes. Cometas.

Que a vida não é ter o que se quer. É saber quem se deve ser para continuar tentando.

Um amor se quebra, a oportunidade de viver um sonho se desmancha, uma chance não se converte em cesta de três pontos. O que estes "nãos" têm em comum é o sim que vai arrebatar do chão o caído, mais uma vez. E outra, e outra, e outra. Que viver não é realizar sonhos. Viver é continuar.

O que acontece entre uma tentativa e outra é o que ficará quando for a hora de olhar para trás e contar os cacos e as luzes do que foi alcançado.

Entre as tentativas está a nossa vontade, nossos sentimentos, nosso coração batente. Eis o triunfo.

quarta-feira, março 19, 2008

Abaixo os assuntos que "não se discutem"!


Tesão é tão subjetivo!
Descobri na tv um programa qualquer onde acontece uma espécie de "sexual coaching" para casais. A cada programa um novo casal, com novas questões a resolver. O nome, infelizmente não me lembro, pois gostaria de indicá-lo, mas é transmitido no começo da madrugada pelo canal a cabo GNT, da Globosat.
Um "sexólogo" e uma "sexóloga" - não faço idéia de qual seja a real formação dos dois, mas parecem ter sensibilidade sobre o tema do programa - conversam com o casal entrevistado e instalam câmeras em todos os cômodos de sua casa, para "estudo" da vida sexual em discussão.
O casal estudado concorda em se deixar filmar ao fazer sexo e ter assistidas pela dupla de "especialistas" todas as cenas de sua rotina mais íntima. Diálogos, travas, entregas, conflitos. Nada passa desapercebido por âncoras e telespectadores do programa. Há uma certa discrição nos flashs de cenas de sexo exibidas, já que não se vê os corpos do casal na cama (ou em outro local qualquer da casa), que permanecem protegidos por efeitos de cor na imagem.
Os diálogos, por outro lado, são acompanhados quase na íntegra. Há grande participação da edição, é claro, pois o programa é curto e a maior parte dele se passa enquanto o par de sexólogos dá ao casal-tema, e aos telespectadores, o devido feedback sobre as situações nas imagens que foram reveladas.
O casal ouve atentamente, e recebe dicas e interpretações claras e personalizadas a respeito de como os progressos podem ser feitos. A seguir, começa a colocar em prática o que lhes foi ensinado e a sequência do programa se desenvolve com os "estudados" aprimorando seu próprio estilo a partir das orientações. Nem tudo é seguido, nem tudo é aprovado. Mas, pelo que se percebe, boa parte das dicas são bem-vindas e bem-sucedidas.
Fica nítido que não existem receitas de bolo nem fórmulas milagrosas. Fica evidente que o sexo, como tudo o que é humano, está sujeito aos mil humores e particularidades que uma pessoa vive durante os seus dias.
Achei o programa simplesmente o máximo, porque mostra que as pessoas estão se desenclausurando ao ponto de se permitir expor e contar as dificuldades e intimidades delicadas de sua vida sexual como casal. O fato disto ser feito em rede nacional, foi quase um detalhe. Os casais ali me pareceram muito mais preocupados em entender o que estava falho e o que poderia ser melhorado na sua sexualidade, do que pensar que tudo aquilo seria entretenimento para a audiência do canal. São, aparentemente, pessoas comuns, que poderiam ser vizinhos de qualquer um de nós. Pensando bem, poderiam ser qualquer um de nós.
O atrativo maior do programa é ser extremamente convincente. Os casais, se não são de verdade, atuam maravilhosamente com suas características e personalidades ímpares. Os especialistas conseguem não ser técnicos demais com um tema tão subjetivo e realçar todo o aspecto emocional do qual a conexão sexual entre duas pessoas se alimenta. Sem falar na diferenciação evidente entre as preferências masculinas e femininas, e as possibilidades de entrosamento entre elas.
Fica nítido também, que o progresso e a qualidade esperados pelo casal só acontece a partir deles próprios, e que pede muita dedicação e disposição para aprender. E, é claro, vontade de olhar para o outro.

Não sei se tudo deve estar na tv ou mesmo se este tipo de programação televisiva representa uma evolução. Mas este tipo de disponibilidade é um grande passo em direção ao futuro das pessoas.


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Depois de uma certa idade, você aprende a se atribuir a sua verdadeira 'desimportância'. *


Fora com os fatos
Fora com as fossas
Fora com as poses
Fora com as missas

Fora com as cores
Fora com as massas
Fora com os egos
Fora com as farsas

Fora com os furos
Fora com os muros
Fora com os duros
Fora com as caras
Fora com as curas
Fora com as malas
Fora com os tiros
Fora com as taras

Fora com as gírias
Fora com as filas
Fora com as celas
Fora com os párias

Fora com os 'migos'
'sigos'
solos
Cegos.
Flácidos
Falastrões
Fálicos
Foliões

Fácil é ver o feio,
fútil rótulo falido.
Belo é para o bobo
auto-boicote bitolado.

* frase do jornalista Pedro Bial

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domingo, março 16, 2008

Post em Dois Atos


De quando em quando, se renovam ou se "bagunçam" as nossas visões sobre tudo o que está ao nosso redor, sobre a vida, sobre nós mesmos.
Coisas positivas se potencializam, coisas negativas se potencializam; revezam-se.
Não é terefa fácil ser leal às nossas próprias marés, que em geral são incompatíveis com o que espera o mundo em volta.
É sempre desconcertante perceber que não cabemos em nossa própria pele. Mesmo já tendo estado ali antes, mesmo sabendo que vamos estar ali novamente. Quando acontece, é um turbilhão silencioso. Pessoas próximas tornam-se estranhos, lugares distantes tornam-se portos seguros, espelhos tornam-se variados tipos de pimenta.
"O centro, é onde nada é certo", já se proclamou. Assim então, talvez o turbilhão seja o melhor lugar.
E quem poderá dizer que não veio mesmo para tropeçar em si mesmo? Para fazer o caminho com passos incertos e decisões temporãs?
A plenitude, que dura alguns segundos, tem seu tempo. Porém, é a exceção à regra que não nos foi explicada como seguir.
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Para falar de poesia, este nascimento que produzimos a cada contração da alma, que comemorou seu dia nacional em 14 de março, emprestei (sem aviso, é verdade) um trecho do post de autoria da Adelaide Amorim, cuja escrita eu admiro profundamente.

" (...) Parece que enquanto existir gente na Terra, existirão poetas. Poetas que falam não só de amor e flor, mas da humana condição, da falta permanente de alguma coisa que amenize a inquietação e a angústia, das coisas que os afetam, da própria circunstância do poema. Específico da poesia é o sentimento súbito do que toca a pele, da percepção aguçada que se amplia, instigadora, e num certo momento irrompe e mobiliza alguém a expressá-la. Mas para isso é preciso que haja um silêncio interior, uma certa contemplação desse processo, condição para ouvir o “barulho” da poesia."


Em www.meublog.net/adelaideamorim no post "Março celebra a poesia l"


Obrigada, Adelaide, pela inspiração.


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segunda-feira, março 10, 2008

Querência

Foto: Vanderlei Martinelli


Para cada um que nos deixa sentir sozinhos,
um nos mostra que somos essenciais naquele momento.

Não tenhamos a pretensão de ser queridos como queremos.
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quinta-feira, março 06, 2008

Endless

O tempo, ora fazia névoa, ora fazia brisa. Todo verão deveria ter direito a litorais, águas e aventuras. Como era a vida antes de existirem os adultos: com merecidas férias da escola que não massacrava, apenas tentava fazer-nos aprender e crescer, suavemente.

Ela se ocupava de ser, apenas. Algo como uma pausa do cotidiano, como o conhecemos. Era um silêncio, uma meditação. Um dormitar para acordar refeita.

Conhecia incontáveis pessoas que seriam incapazes desta pausa tão sem culpa à qual ela se entregava com espantosa facilidade.

Vira seu corpo reagir retardatariamente, adoecer, enquanto sua alma permanecia em superior estado de meditação, muito além de níveis dos quais ela tivesse consciência.

Adornava-se para chegar festiva e bela ao outro lado deste rio que navegava.

Gostava que o tempo curasse, encontrasse rumos, florisse sementes, preparasse vitórias, trouxesse as novas.

Era apenas o tempo. Não se tratava de qualquer alquimia milagrosa. Não via mudanças em si. Mas deixava que sua alma meditasse para que seu destino tomasse outros rumos. Rumos melhores em qualidade de vida. Rumos maiores em amplitude de meios e fins.

Em agradecimento à generosidade do tempo, o rei, ela ofertava e recebia o amor de seus poucos e bons. Jamais quisera o afago efêmero de grandes grupos. Mas sonhara, desde sempre, com o eterno aconchegar junto àqueles a quem oferecera a lealdade mais pura do seu coração. Acreditava que assim se fazem os guerreiros consagrados. Os homens de bem.

Assimilava seus erros. Deixava a um poder superior os erros para com ela cometidos. Viera, afinal, para errar. Momentâneamente, desejava a vida daqueles aos quais o caminho, muito cedo, se desnudou. Repensava. Seu caminho era de outras curvas, de outras retas. Desnudaria-se lentamente, como ela. Não esperava pelo respeito ou companheirismo daqueles que jamais quereriam compreender-lhe. Assentia sobre suas diferenças, viúva de mortes antecipadas.

Comemorava suas vitórias, para que crescesse sua força, sua energia. Agradecia por apenas, ser.

"Tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para todo propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derribar, e tempo de edificar; tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de abster-se de abraçar; tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de deitar fora; tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz."

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sábado, março 01, 2008

Do "Livro da Tribo"


Estou buscando. E nisso não existe nenhuma novidade.
Mudam as épocas e eu sempre buscando.

Minha busca sempre acontece pela ação ou pela observação, e eu tenho andado bastante comtemplativa, sujeita a lampejos de ação no percurso rs. Colocando algum lixo pra fora, mantendo algum lixo que já poderia ter saído, mas... caminho conforme a capacidade dos meus passos. Outro dia, eu dizia que não existe pessoa bem-resolvida, existe quem não procurou direito! rs Me desculpem, é claro, os bem-resolvidos de fato, pois sei que eles são poucos, mas existem.

Enquanto isso, nas loucuras temporárias (e permanentes) do planeta Terra, vulgo Matrix, fui buscar num dos meus antigos Livros da Tribo - uma deliciosa agenda diária, recheada de ilustrações, poemas, temas para reflexão e ação - uma palavra melhor do que as minhas.


Labirinto
(Cairo Trindade)

Preso ao meu corpo, preso a meu peso
Preso a meu porto - meu endereço
Preso a meu nome, preso ao presente
A meu telefone - meu desespero
Preso a meu ego, preso a meu preço
Ao que carrego e ao que careço
Preso aos pesares, preso aos prazeres
Preso ao prozaico, a problemas burgueses
Preso a prazos, horários, agenda
Conta bancária e quanta corrente
Preso a números e documentos
Preso ao desprezo que sinto por eles
Detento de tantos, exilado em mim mesmo
Sou meu refém e meu carcereiro
Tenho as chaves e as algemas
E entre as grades que eu invento
Me liberto no poema.
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