quarta-feira, setembro 03, 2008

Devo farmi le ossa


Sempre que estou tentando inserir uma dose a mais da enigmática praticidade na minha vida, uma questão tende a se intrometer:
Por que eu preciso da arte? Esta é uma pergunta à qual me submeto algumas vezes, sem sucesso real.
O que seria deste mundo, se, junto a cesta básica de produtos alimentícios, fossem distribuídos também um (bom) disco, um (bom) livro, uma (boa) ilustração?
É possível que, na impossibilidade das repostas – da maneira como as conhecemos – estejam as respostas, da maneira como as ansiamos, e neste instante, nos debatemos em confusão, já que a mente jamais desiste de encontrar o que procura, ainda que isto, por tantas vezes, não exista. Não da forma que a mente espera. A mente nos cansa, com a prepotência insistente que não a deixa contentar-se com o seu valor real, e impõe a si mesma que seja tudo. É preciso cansar a mente, tirando dela o poder de oferecer constantemente respostas prontas e lógicas. A mente desconhece o que não pode ser esmiuçado pela sua razão. E o que me é lógico, é que ninguém funciona de forma tão óbvia assim. Ninguém funciona, mesmo que um contingente considerável de pessoas ainda não saiba disto.
É preferível sentar-se confortavelmente à sombra das questões já “resolvidas”, do que lançar-se numa expedição solitária em busca do caminho que ainda não tenha sido asfaltado.
Quando surge uma pergunta, imediatamente, vai a mente buscar nos seus arquivos um registro sobre aquele assunto. Um registro, portanto, algo que já tenha ocorrido antes. (“já tenha ocorrido antes” é redundância? Ando muito preocupada em não agredir a língua portuguesa, tão difícil para mim). Parece clara a conclusão de que, feito isto, estaremos sempre repetindo fórmulas e recorrendo apenas ao que já foi visto, pensado, sentido, descoberto.
A capacidade de encontrar respostas e infinitos novos porquês que reside do lado de fora da nossa mente, é atordoante. Há caminhos que sequer foram sonhados, aguardando, já impacientes, por serem encontrados. Nestes caminhos mora a arte.
A arte faz parte daquele grupo de necessidades básicas e absolutas que a nossa mente ainda não conseguiu transformar em explicação. E este é o nosso padrão, nosso recurso imediato quando falta o chão. É desta forma que ficamos novamente em pé. Oferecendo alguma justificativa perfeitamente sensata para a interrogação que nos carrega tantas vezes, durante o curso de um único dia.
Com nosso consentimento, a mente se fez forte. Mais forte do que deveria, especialmente no pensamento ocidental. Enraizou-se em nossas escolhas e em nossa maneira de estar na vida, e sempre que preciso, é a ela que voltamos, é à mente que pedimos descanso quando cansados de procurar.
É desta forma que fomos ensinados, e ser obedientes nos cai bem.
A literatura talvez seja a arte que mais se aproxima de juntar as respostas com as quais já interagimos, à inédita trilha de terra batida e mata fechada. Talvez isto faça da literatura, a mais deliciosa forma de sabedoria.

No meu reduto particular de busca da sabedoria, está morando o delicioso e autobiográfico “Comer, Rezar, Amar”, best-seller da autora americana Elizabeth Gilbert, ou apenas Liz, para aqueles que como eu, já fizeram da escritora uma pessoa próxima e querida.
Ao invés de contar do que se trata o livro, informação que pode ser encontrada em qualquer site de livraria, vou dizer apenas que, o que me conquistou irremediavelmente a respeito dele, foi a generosidade da autora. É a forma ultra-pessoal e desprendida com a qual Liz conseguiu falar com seus leitores (somada ao bom-humor e inteligência que lhe são naturais) que fez com que este livro se tornasse um amigo.
Aqui, uma das incontáveis passagens que eu amei:


Sinto que o destino também é um relacionamento - uma interação entre a graça divina e o esforço pessoal direcionado. Sobre metade dele você não tem o menor controle; a outra metade está completamente nas suas mãos, e as suas ações terão consequências perceptíveis. O homem não é nem uma marionete dos deuses, nem tampouco é senhor do seu próprio destino; ele é um pouco de ambos. Galopamos pela vida como artistas de circo, equilibrados em dois cavalos que correm lado a lado a toda velocidade - com um pé sobre o cavalo chamado "destino" e o outro sobre o cavalo chamado "livre-arbítrio". E a pergunta que você precisa fazer todos os dias é: qual dos cavalos é qual? Com qual cavalo devo parar de me preocupar, porque ele não está sob o meu controle, e qual deles preciso guiar com esforço concentrado?
Há tanta coisa no meu destino que não posso controlar, mas outras coisas estão sim, sob minha jurisdição. Existem determinados bilhetes de loteria que posso comprar, aumentando, assim, minhas chances de encontrar satisfação. Posso decidir como gasto o meu tempo, com quem interajo, com quem compartilho meu corpo, minha vida, meu dinheiro e minha energia. Posso decidir o que como, o que leio e o que estudo. Posso escolher como vou encarar as circunstâncias desafortunadas da minha vida - se as verei como maldições ou como oportunidades (e, quando não tiver forças para adotar o ponto de vista mais otimista , porque estou sentindo pena demais de mim mesma, posso decidir continuar tentando mudar minha atitude). Posso escolher minhas palavras e o tom de voz com que falo com os outros. E, acima de tudo, posso escolher meus pensamentos.
Esse último conceito é uma idéia radicalmente nova para mim. Richard do Texas chamou minha atenção a seu respeito recentemente, quando eu estava reclamando da minha incapacidade de me livrar dos pensamentos obssessivos. Ele disse:
- Você precisa aprender a escolher seus pensamentos do mesmo jeito que escolhe as roupas que vai usar a cada dia . Isso é uma capacidade que você pode aprimorar. Se você quiser tanto assim controlar as coisas da sua vida, trabalhe com a mente. Ela é a única coisa que você deveria estar tentando controlar. Largue todo o resto, menos isso. Porque, se você não conseguir dominar o seu pensamento, vai ter muitos problemas para sempre.
À primeira vista, isso parece uma tarefa quase impossível. Controlar seus pensamentos? Em vez de o contrário? Mas imaginem: e se fosse possível? Não se trata de repressão nem de negação. A repressão e a negação inventam jogos complicados para fingir que os pensamentos e sentimentos negativos não estão acontecendo. Mas Richard está falando de reconhecer a existências dos pensamentos negativos, entender de onde vieram e porque apareceram, e então - com grande capacidade de perdoar e com grande coragem - mandá-los embora. Essa é a única prática que se encaixa feito uma luva em qualquer trabalho psicológico que você possa fazer durante uma terapia. Você pode usar o consultório do analista para entender primeiro porque tem esses pensamentos destrutivos; e pode usar exercícios espirituais para superá-los. Deixá-los ir embora é um sacrifício, claro. É uma perda de antigos hábitos, de velhas implicâncias reconfortantes e de padrões conhecidos. É claro que tudo isso requer prática e esforço. Não é um ensinamento que você possa escutar uma vez e esperar dominar imediatamente. É uma vigilância constante, e eu quero isso. Preciso disso para ficar forte. Devo farmi le ossa, é o que dizem em italiano. "Preciso fazer meus ossos".
Assim, comecei a me forçar prestar atenção em meus pensamentos o dia inteiro, e a monitorá-los. Repito essa decisão cerca de setecentas vezes por dia: "Não vou mais abrigar pensamentos que não forem saudáveis". Sempre que um pensamento desprezível surge, repito a decisão. Não vou mais abrigar pensamentos que não forem saudáveis. Na primeira vez em que me ouvi dizer isso, meu ouvido interior se espantou com a palavra "abrigar" e com seu substantivo correspondente, "abrigo". Um abrigo, é claro, é um local de refúgio, um porto seguro. Visualizei o porto seguro da minha mente - um pouco surrado talvez, um pouco maltratado pelo tempo, mas bem situado e com boa profundidade. O porto seguro da minha mente é uma baía aberta, o único acesso à ilha do meu Eu (uma ilha jovem e vulcânica, sim, mas fértil e promissora). Essa ilha já passou por algumas guerras, é verdade, mas agora esta´comprometida com a paz, sob a batuta de um novo líder (eu) que instaurou novas políticas para proteger o lugar. E agora - que a boa-nova seja espalhada pelos sete mares - há nos autos leis muito, mas muito mais rígidas quanto a quem pode adentrar esse porto seguro.
Você não pode mais vir aqui com seus pensamentos duros e abusivos, com seus navios de pensamentos assolados pela peste, com seus navios negreiros de pensamentos - todos eles serão rechaçados. Da mesma forma, quaisquer pensamentos cheios de exilados zangados ou famintos, de descontentes e de panfleteiros, de amotinados e de assassinos violentos, de prostitutas desesperadas, de cafetões e de passageiros clandestinos - vocês também não podem mais vir aqui. Pensamentos canibais, por motivos óbvios, não serão mais recebidos. Até mesmo os missionários serão cuidadosamente revistados para avaliar sua sinceridade.
Este é um porto pacífico , entrada para uma ilha bonita e orgulhosa que está apenas começando a cultivar a tranquilidade. Se vocês respeitarem essas novas leis, meus caros pensamentos, então serão bem-vindos na minha mente - senão, eu os devolverei novamente ao mar de onde vieram.
Essa é a minha missão, e ela nunca vai terminar.

5 comentários:

Uri disse...

Cansar a mente. Para que ela não nos canse tanto.
Cansar a mente para que ela apague e se desligue.
tenho tentado, a todo custo, cansar a mente.
Seu blog continua pura arte. Vc constrói uma piracicaba incrível no meu imaginário com suas fotos.
bjo. Uri.

Lu Dias disse...

Como sempre um banho de conhecimento para nós, Obrigada!
Bjs e bons ventos!

dade amorim disse...

Muito boa a visão de arte e criatividade que você oferece, Bia. Beijo grande e uma ótima semana.

Anônimo disse...

Tamb�m Comi, Rezei e Amei... E como voc� a chamo de Liz. Voc� j� leu Baunilha e Chocolate da Sveva Modignani? T�tulo e livro deliciosos. Adorei seu blog e sua visita. Um abra�o

Anônimo disse...

a anônima sou eu, hoje desatenta...
adriana