segunda-feira, outubro 27, 2008

Comunicado

Aprendi a chorar plenamente.
É importante este chôro, o chôro que se entrega sem medidas, e torna-se completo em si mesmo.
O chôro que nos lava de dentro para fora e esteriliza todos os nossos canais de comunicação com o mundo.
Não é um chôro único. Não são vários choros contidos numa única situação. É um chôro que nos vem aos poucos, em situações diversas, em dores diferentes e ferozes. Quase como um ciclo, sem data para terminar. O tempo age , reage, reluta, e n'algum destes dias, repentinamente, se percebe: aprendi a chorar.
É uma força divina. Saber-se capaz de sentir verdadeiramente o choro, aceitá-lo, compreendê-lo, reconhecer sua incontida beleza multifacetada. Aprender a perder. A cair. A pedir, e não receber.
Aprender a chorar plenamente, é como sentir as mãos vazias clamando pelo que nunca veio ou lamentando incessantemente o leite que se derramou sem avisar.
Sim, eu aprendi a chorar.
E este aprendizado tem uma única e fundamental importância: estar pronto, finalmente pronto, para aprender a sorrir plenamente. Receber. Encontrar. Partilhar. Multiplicar. Alcançar. Prosseguir. Desembrulhar.
São os braços e vida abertos, para receber as gargalhadas que encruaram na alma, se economizando para quando-deus-quiser.
Poderia chorar para sempre. Muito e muitas vezes, pois isto já não é o que importa. O chôro aceito - qualquer chôro, presente ou passado - limpa e purifica. É parte do todo, assim com a morte é parte da vida.
Aprender a sorrir vem depois. Vem, quando as inúteis perguntas sem respostas começam a cessar. Vem, quando todos os "nãos" e os vazios começam a ser recebidos sem o ranço da decepção.
O sorriso vem quando a viagem já mudou seu curso, tomando os rumos mais improváveis ao início. Quando coisas, pessoas e certezas já ficaram pelo caminho. Quando se passaram sóis duros e chuvas pesadas. Mesmo saudosas primaveras perfeitas já ficaram para trás.
É um depois. Um lugar onde há um espaço todo novo e livre, e um sorriso ainda não ouvido inspirando ares em seus pulmões, para desabrochar.

sexta-feira, outubro 17, 2008

Question marks

Alguém já disse que "o centro é onde nada é certo".
Se isto estiver perto da verdade, então posso dizer que passei boa parte da minha vida no seu centro.
A incerteza se tornou - ou sempre foi? - estranhamente familiar, mas, em tantos anos de relacionamento não nos tornamos nem um centímetro mais próximas. Ao menos, eu não me tornei. Ela porém, se aproximou grandemente. Ao ponto de, tantas vezes, ter feito da minha vida, a sua sala de estar.
Se há uma inveja verdadeira abrigada na minha alma, é a inveja de todas as pessoas que se sabem convictas da direção na qual devem (motivadas por desejo, e não, obrigação) guiar os seus objetivos de vida. E, tão simples quanto respirar, os perseguem.
Para mim, olhando de fora e de muito longe, é uma linha reta. Um caminho preciso, constante, crescente. Nada fácil, eu sei. Mas brindado de clareza tamanha, que até pode cegar. São aqueles abençoados que nasceram sabendo, por assim dizer, o que fariam deste seu tempo por aqui.
Eu, sempre que topo com alguém assim, fico louca de vontade de perguntar como. Como é que se faz para ser assim, para saber tanto assim de si mesmo, para ter tanta força e senso de direção assim.
Estas são pessoas carregadas de magia, tenho certeza. Avançam certeiras, e , ao seu comando impetuoso, portas, ou ao menos janelas, se abrem.
Vejo as possibilidades que estão embutidas em minhas imobilidades periódicas. É provável que eu esteja batendo nas portas erradas. É provável que não tenha chegado a "minha vez" ( e isto soa tão conformista que me dá vontade de gritar. Mas acontece.) É provável que eu, simplesmente, tenha feito uma escolha equivocada e, e algum momento, vá ter de admitir isso. É provável que eu tenha sido a pessoa errada, na hora errada. É provável que eu tenha tido a covardia de me eximir da responsabilidade nos caminhos que tomei, e eles estejam todos querendo que eu, agora, pague esta conta.
Sim, a vida que é mãe e não, madrasta, também cobra nossas inadimplências. Algumas vezes, cobra bastante caro. Noutras, estamos tão empobrecidos no espírito, que qualquer troco soa a fortuna.
Um outro Cara disse , certa vez: "Isto também passará". Suspeito que ele pensasse que não custava nada lembrar aos pobres mortais, primeiro, que não são tão pobres quanto se sintam em dado momento, e segundo, que a transitoriedade de todas as coisas é a única constante.
De minha parte, ouço todas estas entrelinhas. Porém, fico na dúvida - novamente - se elas me ouvem. Se me enxergam. E, se irão me responder.

segunda-feira, outubro 06, 2008

Cara Lavada


Eu sou mais bonito do que eu
Mas me esqueço
Quando eu sou feio, extrapolo
lindo quando eu sou bonito


Vem à lembrança que bom, é ser eu
nem sempre
mas vem.
A lembrança faz bem demais.

O esquecimento,
hora marcada, com chegada sem saída
para um tormento lento
Sonho ruim sem acordar.

Solitária a feiúra acompanhada.
Mais vale uma beleza
incompreendida
do que várias feiúras voando a esmo

Boniteza tem gosto sim
tem cheiro, tem cara
Voz, pós-guerra incondicional
ao fim de uma linha.

Ponto, parágrafo
e, para a surpresa de um feio
outra linha , no meio de um texto
que não cansa escrever, nem ler.