segunda-feira, outubro 16, 2006

Os desejos presos no olhar




No alto da montanha estava eu. Inacreditavelmente, estava eu. Me senti um misto de Glória Maria numa de suas reportagens-expedição, com Fraulein Maria - a noviça rebelde - viajando no sound of music e explicando que nunca se perderia na montanha, pois a montanha era dela.
Nunca tinha pisado naquela montanha, sequer naquela cidade e mesmo assim, me senti involuntariamente como parte da paisagem, como fosse a coisa mais natural do mundo estar ali compondo aquele cenário de uma simplicidade mágica e perfeita. A montanha era mesmo minha. Nos pertencemos desde a primeira troca de olhares. Não nasci ali, mas provavelmente tenha nascido também para estar ali. Para, privilegiadamente, olhar a compacta cidade do alto de todos os seus melhores ângulos e sentir a completude que vai além do que a mente pode explicar.
Para quê a mente quando a alma se mistura ao ambiente e me torno uma com o existir e todos os elementos? O fogo, através do sol que queimava e se escondia; a água através das nascentes semi-secas do fora de época e do suor satisfeito que escorria; o ar através da brisa que brincava de refrescar e trazia fôlego para o corpo que teimava em não se deixar cansar; a terra que embalava, protegia e ensinava o melhor caminho.
Quase dois dias no Paraíso. Tão pouco e foi o suficiente para que eu me rendesse totalmente. Bastou um olhar de longe e eu estava entregue àquele horizonte onde o tempo não existe e os campos e colinas te abraçam deixando um perfume de vida. A vida na sua origem mais íntegra. Sem maquiagem, sem concreto, sem o frenezi das avenidas, comércios e referências culturais que consumo tão vorazmente.
Jamais poderia imaginar que sentiria falta do mato e dos insetos quase mansos quando pisasse de novo na selva de pedra. Senti. Os aromas, os sons, as pessoas tão diferentes da cena que havia acabado de deixar, me impactaram inexplicavelmente. Eu que gosto do burburinho do ritmo antenado dos shoppings e avenidas, tanto quanto gosto da serenidade cheia de pulso que o distanciamento da "civilização" oferece. Por um momento a civilização me pareceu sonsa e desnecessária. Um daqueles momentos onde se sente ter ido a outro mundo e retornado para contar a história. Estou contando, então. Afortunada eu, que já pude experimentar alguns mundos aqui dentro deste universo.

"Ói , ói o céu
Já não é o mesmo céu que você conheceu, não é mais
Vê, ói que céu
É um céu cravejado, rasgado, suspenso no ar
Vê, é o sinal
É o sinal das trombetas, dos anjos e dos guardiões
Amém."

4 comentários:

Anônimo disse...

"Bastou um olhar de longe e eu estava entregue àquele horizonte onde o tempo não existe e os campos e colinas te abraçam deixando um perfume de vida."
Tantas pessoas que já passaram por lá, duvido que alguma tenha feito uma poesia tão linda como a sua!!
Beijos e obrigada por tudo!!

#robson barboza# disse...

esse é um prazer de poucos.

Anônimo disse...

Olá Bia,boa noite ainda que uma noite chuvosa. Esse post dá vontade de corre para o alto de uma montanha.Eu gosto muito e sempe que posso faço isso. A natureza reabastece,renova as nossas enrgias.Bom poder caminhar nesse mundo e poder sentir o que ela tambem tem de bom.O mundo tem seus dosis lados(a tal historia da moeda!)enfim,desejo uma boa semana e agradeço o exclente comentario lá no meu espaço.Abraço amigo.Dexy

Anônimo disse...

A beleza dos sentidos não estar em apenas tê-los, mas de saber usufruí-los de maneira plena e inteligente. O bom uso dos sentidos nos faz ver e sentir o mundo de um ângulo todo especial e de sentir na cadência do instante a leveza de apenas ser. Seu texto nos leva a isto, nos põe no lugar em que estava e nos faz sentir o que sentiu. Você sabe utilizar bem os seus sentidos e sabe melhor ainda expressá-los a quem a lê e a quem a ouve. Grande beijo da mais nova amiga Orkutiana.
P.S.: tomei a liberdade de "linká-la" no meu blog, para que meus amigos possam usufruir dos seus textos.