domingo, março 04, 2007

Presentes - o melhor ser no tempo de um verbo


É simples o amor, parece.
Como respirar, como viver, como querer, como ser...
Os milagres, quando acontecem, deixam a surpreendente sensação de ser simples.
E em "simples" cabe o mundo.
Naturalmente em rotação e translação, cumprindo todas as suas rotas.
O amor é simples, como não é simples viver.
Amar está numa outra esfera diferente de viver.

(...) Eu disse que estava sem ânimo para galinhar, que não gosto muito de galinhar, que sou romântico, dedicado, que gosto de fazer supermercado pensando no que a outra gosta, que gosto de dar presentes, cozinhar, ficar em casa vendo tevê num sábado quente ou chuvoso e jogar gamão, tranca, buraco, xadrez, par ou ímpar, de ver a outra se vestir e escolher com ela as roupas, de ser aquele cara que julga se está bom ou não, se ela deveria estar de cabelo preso ou solto, de botas ou sandálias, de saia ou vestido, de cinto ou sem, com brincos de prata ou de ouro, se dá pra ver a marca da calcinha, que gosta de sentir o mesmo perfume na nuca todos os dias, que gosta de passar xampu no cabelo da mulher que ama, que gosta de passar os dedos na dobra do cotovelo, na barriga, de enfiar o dedo na boca, na orelha, de falar besteira durante o sexo, de beber vinho e transar na sala, de dar sorvete na boca e comer todo o pote de uma só vez, de ficar a noite toda no escuro, sem acender as luzes, ouvindo todas as músicas importantes e marcantes da vida, de alugar três DVDs e não assistir a nenhum, e como é bom lavar a louça a quatro mãos, com aquele detergente neutro e a água quente se misturando com o azeite da salada, de depois passar a espuma do detergente na cara do outro, de nos beijarmos e abraçarmos com a mão toda lambuzada, de ficarmos um no colo do outro numa piscina, de nos deitarmos na varanda em dia de calor, de passarmos protetor solar, hidratante, de um falsificar a assinatura do outro em boletos, de lermos juntos os resumos que saem nos guias dos jornais, de dividirmos uma pipoca, um chocolate, um biscoito Globo doce ou salgado, um coco na praia, uma água com gás, uma aspirina, uma maçã , uma perna de carneiro, um pudim de leite, uma vitamina C, uma rotina, uma cama, uma raiva, um encanto, uma piada, um pôr-do-sol, uma escova de dentes, uma caneta, um livro, uma angústia, uma dúvida, um sonho, um projeto, uma fofoca, um torpedo, um momento, uma vida. (...)

trecho da crônica "Separacão - 3" de Marcelo Rubens Paiva, na edição de 3 de março de 2007 do Estado de São Paulo

Um comentário:

Anônimo disse...

"O amor é simples, como não é simples viver.
Amar está numa outra esfera diferente de viver."

Que a esfera do viver esteja sempre mais perto da esfera do amar e vice-versa, sempre!

Bjs!!