quinta-feira, novembro 29, 2007

Para deixar viver




Hoje eu fui a uma escola estadual.
Coisa banal, nada demais ao primeiro olhar.
Simples, localizada num bairro bastante humilde e mais humilde ainda em atenção. De todos.
Da prefeitura, dos conterrâneos, de si mesmos. Uma escola como outra qualquer, cheia de crianças como outras quaisquer aprendendo o ensino básico. São apenas um pouco diferentes do que eu fui. Tão crianças quanto, tão lindas quanto toda criança é, tão cheias de personalidade e vontade por sorver o mundo quanto toda criança quer ser. Cheias de olhos e espanto. Cheias de exclamações e entusiasmo. Com algumas histórias a mais para contar.
O motivo da minha ida foi fazer a cobertura fotográfica do uso, em sala de aula, de uma cartilha anti-drogas - projeto da polícia federal - que a empresa para a qual trabalho ajudou a patrocinar. Terceira e quarta séries, o equivalente em faixa etária nesta escola à segunda e quinta séries, respectivamente. Crianças de 8 a 11 anos.
De início, na entrega das cartilhas, houve alguma resistência por parte de coordenação e diretoria, já que, aparentemente a introdução das cartilhas no plano de ensino atrapalharia o planejamento inicial. Entendi que isto mudou com o passar dos poucos meses, visto que foram vários os trabalhos desenvolvidos em sala e maiores ainda as manifestações das crianças sobre o tema, durante as aulas.
A proposta da cartilha é de, através de histórias e desenhos para colorir, orientar as crianças para que não se deixem enveredar pelo caminho das drogas. A sugestão era de que, através da espontaneidade e criatividade, o tema fosse abordado de forma livre. A partir disso, surgiram desenhos, letra de rap - que apresentaram para mim, orgulhosos - , discussões e muitos, muitos relatos.
Nada na cartilha era novidade para as crianças. Teve aluno ensinando aos colegas como enrolar o cigarro de maconha ou fazendo demonstração prática com o giz moído, como se fosse o próprio pó. Nada que o pai, mãe, tio, irmão, primo, vizinho já não tivesse dado exemplos claros de como fazer.
No pouco tempo de conversa com as professoras, me resumiram brevemente depoimentos variados. O pai e a mãe que usavam cocaína em casa, junto ao filho que, questionado sobre o que dizia, perguntou à professora o que poderia fazer sendo apenas uma criança. O comentário de que o pai era um "traficante pesado" nas palavras do próprio aluno, e a mãe uma usuária. A menina que descreveu como era difícil para a mãe "aguentar transar com o pai" quando consumia droga e voltava para casa totalmente alterado. A avó e mãe do aluno detidas - retiradas pelo camburão de dentro de casa - por tráfico. O pai que sumia por três dias quando "enchia a cara" e precisava ser trazido de algum lugar do meio da rua, arrastado. Desde o menino que precisou ser afastado, aos 12 anos, por agredir os colegas em suas crises de abstinência em classe até o menino que pede todos os dias à professora para levar para casa um pedaço de papel higiênico, pois "gostava de ir ao banheiro de manhã" mas não tinha papel em casa. Os pais trabalham mas aparentemente, tem alguns vícios para sustentar, estando impossibilitados de abastecer a casa devidamente. Sem falar nos comentários mais genéricos das crianças que expressam suas dores através de sinais velados nos desenhos que fazem, da disciplina - no melhor sentido de educação - que abertamente só encontram na escola, entre outras histórias de vida.
Quase todas as crianças, durante o tempo em que estive lá, encontraram em meio a esta realidade, tempo e disposição para sorrir animadamente pedindo flashes e mais flashes. Lindos e inesquecíveis. Ainda telas em branco. Com manchas e dores adultas, mas ainda, em branco.
Há um consenso entre elas de que o uso das drogas não é legal. Ainda há. Por incrível que me pareça, há.
Saí dali com o coração mais cheio, me perguntando quanto tempo mais até que deixem de resistir a este caminho torto. Quanto tempo mais para que ainda tenham uma chance justa à vida com oportunidade para a qual eles nasceram. Quão fortes deverão ser para que a sua oportunidade não seja tirada por ninguém, mesmo que este alguém lhes tenha dado a vida.



____


5 comentários:

dade amorim disse...

Nada do que se diga diante disso vale nada, a não ser que leve a alguma dessas pessoas uma oportunidade de vida melhor. Tenho a maior admiração por quem consegue fazer isso, seja lá de que jeito for.
Beijo pra você.

Anônimo disse...

Esse post me emocionou bastante... Como você sabe, às vezes fico horas e horas conversando com meu irmão a respeito dessas coisas e dessas pessoas, já que ele é diretor numa escola como essa e o assunto me interessa muito também.

Aliás, o que é humano me interessa. Que um dia tudo que minimiza um ser humano seja coisa do passado e apenas fique em livros de história, para que não se repita. E que fique, sobretudo, o que há de maior valor numa pesssoa, numa criança. O amor e o sorriso espontâneo e verdadeiro.

Parabéns pelo trabalho... E mais ainda pela sensibilidade.

Beijo, poeta linda.

Lu Dias disse...

Que tristeza, que dor ver o mundo assim, carente de amor, de atenção, perdido em drogas, se destruindo.
Pobres crianças crescendo nesse meio injusto, sofrendo sua realidade...
Cortou meu coração...
Nessas horas me sinto um nada, minhas perguntas não têm respostas.

O que me alivia, pelo menos um pouco, são projetos como esse que participou, pois eu tenho certeza que dão resultados, que contribuem e que fazem (e fez) diferença na vida dessas crianças.
Bjs!

Anônimo disse...

Precisa completar agora a postagem com 'Artigo publicado no jornal "O Regional", de Catanduva, em 01/12/2007'...

Que bom que mais pessoas vão poder ler. :-)

Beijo, poeta linda!

Lu Dias disse...

:) Que bom!!